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Preferências Pessoais

Por Chuck Stanion

Eu estava na minha mesa outro dia, fumando um Jody Davis e reproduzindo desenhos do Pernalonga na minha cabeça (Foghorn Leghorn: que piada) quando meu colega, o principal redator Truett Smith, apareceu para falar sobre uma das minhas descrições de cachimbo para o site. “Sabe”, ele disse, “não me lembro de ter visto ‘Este é o cachimbo mais feio do planeta’ como uma descrição até agora. É uma declaração audaciosa.”

“Esse cachimbo é o mais feio do planeta. Se você achar outro cachimbo mais feio, eu vou alegremente alterar esse texto para ‘o segundo cachimbo mais feio’”.

“Mas é uma avaliação subjetiva. Todo mundo é diferente e alguém vai amar aquele cachimbo. Seria um hobby monótono se todos compartilhassem seus interesses pessoais. Nós não veríamos nada além de Lovats e Billiard.”

“E eu elogio os outros por saberem o que eles gostam, mas eles devem entender que os não-Lovats são abominações visivelmente grotescas”.

“Mesmo se isso fosse verdade, não é realmente nosso estilo criticar as preferências de outras pessoas”.

“Escute, eu sou muito velho e muito sábio, e escrevo sobre cachimbos desde-”

“Ah, sim, eu sei; todos nós sabemos. Você já mencionou isso antes. Mas talvez devamos descrever cachimbos em comemoração à variedade de atividades na comunidade de cachimbos. Um pouco mais de contexto, talvez?!”

“Parece bastante auto-contextualizado para mim.”

“Mesmo assim, pode se beneficiar de algumas nuances.”

“Eu sou muito velho e muito sábio-”

“Sim, sim, Deus sabe que todos sabemos disso. Mas sobre esse cachimbo -”

“Se você duvida que eu sou um expert em feiúra, você está enganado. Te desafio a olhar a minha cara e dizer que eu não sei o que é feiúra. Eu tinha um cachimbo tão feio que uma criança do bairro deu um duplo mortal carpado quando o viu e começou a grasnar como um pato. O pobre garoto não conseguiu falar por meses e ainda chia como um pato-bravo quando fica nervoso. Não fale comigo sobre feiúra; acredite em mim, sou qualificado. “

“Estou apenas dizendo-”

“Eu sou muito velho e — “

“Sim, isso é fato, mas esse cachimbo — “

“Uma vez namorei uma garota tão feia-”

“Não, não há mais histórias sobre seus anos de namoro, estamos falando sobre como-”

“Minha família tinha uma cabra careca e desdentada tão feia -”

“A criação de animais não é pertinente para — “

“Eu possuía um Mercury Comet de 1961, tão fei-”

“Por favor. Sem carros também. Está na hora de continuar no tópico.”

Nivelamos olhares neutros um para o outro em um momento reflexivo de silêncio.

“O cão de caça de três pernas do meu pai era tão-”

“Honestamente, eu não sei como me comunicar com você. Parece uma coisa simples, mas quando-”

“Eu sou muito velho”

“Sabe o quê? Deixa pra lá. Vamos deixar isso de lado.” Ele seguiu em frente, sacudindo a cabeça de uma forma exasperadamente divertida.

Voltei às palhaçadas de Foghorn Leghorn, mas depois de uma demora razoável, reescrevi a descrição. Truett e eu tivemos uma diversão satisfatória e, além disso, ele sabe como expressar suas convicções convincentemente.


Traduzido por Matheus Doresbach




O Mundo Secreto do Cachimbo

Por Chuck Stanion

Os cachimbeiros têm muita afinidade quando estão reunidos. Tenho visto isso em mostras de cachimbo e em encontros de cachimbeiros: novas pessoas são aceitas imediatamente, todos têm muito o que falar e se dão bem. Acredito que o primeiro motivo para que isso aconteça, é que ninguém nos entende, exceto nós mesmos, cachimbeiros.

Nossos amigos e familiares podem aceitar que fumamos em cachimbos, mas a aceitação não inclui necessariamente entendimento. Minha esposa é perplexa como ninguém. Ela não entende o porquê de eu fumar em cachimbo, somente aceita que eu fume.  Fumantes de charuto e cigarro também não entendem, ainda que alguns fumem ambos. Mas, principalmente, porque o tabaco é fumado de maneiras mais fáceis que em cachimbos. Cachimbos requerem maior habilidade para apreciá-los. Talvez por isso muitos tentam fumar em cachimbos mas acabam desistindo: eles ainda não possuem a habilidade necessária para apreciar verdadeiramente cachimbos.

Não sei como consegui passar por essa curva inicial de aprendizado. Não acho que apreciei a totalidade do que os cachimbos podem fornecer até que eu fumasse por alguns anos. Se alguém tivesse me ensinado a compactar o tabaco com menos força, a deixar meu tabaco secar um pouco antes de fumar, a usar escovilhões com mais liberdade e experimentar Mistura Inglesa e Virgínias em vez de (ou além de) aromatizados, o processo poderia ser mais rápido. Mas tive que descobrir tudo isso sozinho, assim como muitos outros, por teimosia, eu sofri durante dois anos queimando minha língua, maldizendo os sabores acre por superaquecer os tabacos aromatizados, perguntando aonde eu estava errando antes de, finalmente, levar a minha técnica a um ponto em que pudesse apreciar.

É uma história comum, experimentada por muitos, possivelmente por você também, e acredito que isso é parcialmente responsável por nos fazer confortáveis com outros que já passaram pelas mesmas dificuldades. Ainda mais interessante, todavia, é a própria experiência de fumar.

Fumar em cachimbo não é uma compulsão. É um descanso mental das pressões do dia a dia. Entramos em nossa área de fumar e o resto do mundo desaparece ao fundo. Desde dobrar um flake e carregar o fornilho, até riscar um fósforo e acender o tabaco pela primeira vez, em desenvolver a queima do tabaco e apreciar os sabores em seus variados níveis, e trazer o cachimbo de volta à vida ao compactar o tabaco com perícia e com uma cuidadosa puxada de ar; a atividade nos leva para longe. Mas não para muito longe, apenas requer atenção o suficiente para distrair nossos pensamentos, e isso é o bastante.  É preciso algumas baforadas para realinhar nossos pensamentos para melhor combater qualquer problema que tivermos.

É por isso que nos entendemos tão bem. Compartilhamos um conhecimento secreto. O conhecimento não é secreto porque escolhessemos que fosse, mas porque tão poucos os alcançam, mesmo com instrução. A uniformidade de compartilhar habilidades e experiências é um adesivo social de grande poder. Se os cachimbeiros em alguns momentos se sentem tribais, é porque, diferente da maioria do mundo, compartilhamos as satisfações sublimes e inexplicáveis do cachimbo.

Tradução: Matheus Doresbach